‘Test drive’ de metaverso: foco aguçado pode reduzir tempo de reuniões.

O bilionário Mark Zuckerberg jura que o metaverso é o futuro, a ponto de renomear sua empresa por causa da tendência. O professor da Escola de Comunicações e Artes da USP (Universidade de São Paulo) Luli Radfahrer acha que é tudo uma grande bobagem. Ninguém vai lembrar de metaverso daqui a seis meses. Enquanto isso, pesquisadores da UFPR (Universidade Federal do Paraná), coordenados pelo professor Márcio Catapan, tentam responder o que quase todo mundo quer saber: o que isso muda na vida e no cotidiano das pessoas?

A prática, por enquanto, é um pouco desconfortável. No espaço criado pelo grupo para obter o melhor do metaverso — uma rede de mundos digitais 3D com foco em conexão social, facilitada pelo uso de realidades aumentada e virtual —, é preciso se paramentar com óculos um pouco “trambolhudos”. Pesando cerca de meio quilo, o equipamento é fixado na região dos olhos por meio de fitas e fivelas, e custa caro: cada um sai por cerca de US$ 300 no mercado norte-americano.

Antes do hype, o laboratório de Catapan já tinha comprado seis unidades do Oculus Quest com o intuito de testar suas aplicações práticas no mercado de trabalho. Agora, devidamente equipados, os pesquisadores se reúnem semanalmente em um metaverso criado na plataforma Horizon Worlds da Meta — ex-Facebook — de Zuckerberg.

Escrevendo no ar Acompanhar uma das reuniões do time de Catapan foi como assistir a um desenho animado com temática séria. Bonequinhos confeccionados à imagem e semelhança de seus “dubladores” moviam as mãos e a boca de maneira muito convincente. Dava para perceber que o professor Pablo Valle, que orienta a metodologia de melhoria contínua utilizada nos encontros, era o mais expansivo. Seus braços mexiam-se vigorosamente, as costas arqueavam, replicando os movimentos capturados pelos controles que ele segurava nas mãos.

Mais parecia uma animação de uma reunião da vida real do que uma videoconferência. Enquanto a reportagem do TAB conversava com Anderson Donato, especialista em melhorias incrementais, Catapan escrevia em uma lousa disponível ao fundo da sala, demonstrando a capacidade de compartilhamento de anotações dentro do metaverso. Tudo é feito com os mesmos controles que monitoram o movimento corporal, que dão um retorno háptico (um pequeno tremelique) para indicar que a “caneta” tocou a superfície do quadro negro virtual. Quem visse de fora enxergaria o professor “escrevendo no ar”.

Apesar da estranheza da cena, ninguém tropeçou em mesas ou cadeiras. Parte desse sucesso, explica Lucas Gregory, mestrando da universidade e especialista em metaverso, tem a ver com um certo traquejo com o equipamento e uma calibragem prévia entre a sensibilidade dos controles e o ambiente físico. Diante da necessidade de beber um copo d’água, por exemplo, é possível soltar um dos controles e acionar um botão nos óculos que desliga a lente de realidade virtual e permite observar o mundo real, evitando encontrões e derrubamento de líquidos.

Deslumbramentos à parte, será que vale a pena usar toda essa parafernália cara em vez de simplesmente abrir uma videoconferência no Zoom? Segundo os pesquisadores da UFPR, o grande trunfo do formato tem a ver com a eficiência que eles têm notado: dados preliminares indicam que uma reunião no metaverso poderia ser até 4 vezes mais produtiva que uma reunião presencial. Quando comparada às reuniões por videoconferência, a do metaverso poderia ser até 10 vezes melhor. “Reuniões que levariam uma hora estão sendo concluídas em questão de 15 minutos, porque estamos muito mais concentrados”, explica Catapan.

Pudera. Distrações como puxar o celular para conferir outra coisa se torna uma atividade complexa, e qualquer desconexão dos óculos é rapidamente evidenciada no metaverso, que coloca o avatar do participante para “meditar” em uma posição acinzentada e fúnebre. Não dá para desconcentrar sem evidenciar o deslize.

Lucas Gregory, mestrando da UFPR e participante do projeto de metaverso Imagem: Theo Marques/UOL .

Vale o show? Apesar do potencial de maior foco, os pesquisadores confessam que o investimento no equipamento só vai valer a pena em casos bem específicos. “Não vejo vantagem de uma reunião como essa [uma entrevista] para uma reunião de Zoom. Agora, a situação muda se a comparação for com uma conversa presencial”, provoca o professor, elencando os diversos custos associados, como o tempo de deslocamento, recursos financeiros para viagens, hospedagens e até alimentação.

O projeto da instituição, tocado com empresas parceiras, é avaliar de forma contínua o metaverso. Por enquanto, a perspectiva da equipe da UFPR é seguir com os testes, até para compreender outras vantagens e limites. Um dos desafios mais óbvios tem a ver com a fragilidade da banda larga no Brasil, que ainda apresenta inconstâncias e pode deixar parte da equipe “acinzentadamente meditante” (e portanto desconcentrada) durante os encontros. Diante da promessa de expansão da rede 5G no país, pode ser que esse problema já tenha data para acabar. A ver.

Outro ponto que ainda precisa de ajustes tem a ver com o conforto de uso dos óculos de realidade virtual. Conforme a entrevista avançava, era possível perceber avatares mais cabisbaixos, o pescoço inclinado na direção do peito, evidenciando o cansaço dos músculos cervicais que sustentavam meio quilo preso à testa.

“Às vezes, o calor da tela próximo aos olhos também incomoda, mas é algo que acreditamos que será resolvido em breve”, anseia Valle. Para a sorte dos pesquisadores, a capacidade de funcionamento do gadget restringe o tempo de exercício necessário. A entrevista no metaverso durou pouco mais de uma hora, encerrando antes que a bateria acabasse.

Brincando de decorar escritório Um impacto inesperado foi ver o banho de loja que o metaverso é capaz de trazer. Muito melhor do que cuidar da decoração de fundo da reunião ou apostar em fundos virtuais (um clássico do Zoom) é poder criar um ambiente virtual com o requinte e os recursos necessários para cada tipo de encontro.

Cenários talvez indesejados ou menos luxuosos podem ser substituídos por móveis virtuais refinados, dignos de Vale do Silício. Basta reparar na arquitetura virtual desenhada pelo aluno de iniciação científica Lucas Martins, 23, que incluiu cadeiras com ergonomia visual muito melhor do que a mobília de madeira que é mais tradicional nas universidades públicas brasileiras.

O metaverso permite até suprir a ausência de equipamentos do mundo real com versões virtualizadas: o quadro negro onde Catapan fez anotações só existia metaversicamente, sem contrapartida física. Em termos decorativos, a percepção de valor de uma reunião no metaverso de uma universidade pública ou no metaverso do fundador do Facebook seriam muito semelhantes.

Talvez a diferença primordial entre o metaverso universitário e o metaverso proprietário da Meta tenha a ver com a sinceridade dos avatares. Enquanto o minicraque de Zuckerberg geralmente se posiciona de maneira mais deslumbrada, os pesquisadores são mais diretos.

“O metaverso ainda não existe. O que temos hoje é como um ‘Second Life’ piorado”, sintetiza Gregory, rememorando o ambiente virtual que fez sucesso há cerca de 10 anos, quando ele ainda era adolescente. “No entanto, tudo isso está apenas começando”, apressa-se em complementar. E faz sentido.

Nos anos 1990, a internet ainda era algo em que se “entrava e saía”, por meio de uma conexão lentíssima. Um palmtop, um computador que literalmente cabia na palma da mão, ainda não parecia uma grande vantagem. Foi o refino das tecnologias e dos gadgets que levou à transformação que vivemos hoje, com smartphones conectados à web o tempo todo, por vezes usados com uma única mão.

Gregory acredita que os investimentos em dinheiro e em pesquisa que estão sendo feitos agora precisarão de ao menos 5 anos para gerar reflexos mais perceptíveis. Para quem avaliar hoje ou em 2023, talvez o metaverso vá realmente “flopar”. No entanto, para quem está de olho em oportunidade, a jornada para entender e refinar essa tecnologia está apenas começando.

*Fonte: TAB UOL

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