Assim como a rotina das pessoas, pandemia também afeta as relações contratuais dos mais diversos segmentos
O mundo globalizado é fruto da conexão de pessoas, países, culturas etc. por meio das relações cada mais facilitadas pela rápida disseminação das informações, principalmente a partir da revolução da informação a partir da década de 1980. Enfim, no mundo globalizado, as alterações sociais, econômicas e políticas irradiam muito além de seus ambientes domésticos, sendo correto afirmar que essas ocorrências possuem influência considerável no mundo inteiro.
E nessa realidade (gostemos ou não), o mundo se vê diante do novo coronavírus (COVID-19), uma pandemia que se espalha países afora e já tem causados diversos danos e levado países a adotarem as mais inusitadas medidas de contenção, o que representa um verdadeiro alerta para todos. Inclusive, a última notícia que se tem é de que o Governo Federal solicitará ao Congresso Nacional o reconhecimento de estado de calamidade, para que a União Federal seja liberada do cumprimento da meta de resultado fiscal para o ano.
E fica a pergunta sobre um dos vários desdobramentos da pandemia: o que o novo coronavírus ocasiona para as relações contratuais?
O tema é de grande relevância porque o contrato é o instrumento jurídico que rege basicamente todas as relações sociais no mundo globalizado. Desde a compra do pãozinho francês até a importação/exportação de commodities por grandes economias, o contrato está lá.
Estabelecida a abrangência do tema contratual na vida das pessoas e percebido o imenso impacto social que a pandemia tem causado, é importante mencionar alguns exemplos de como o Direito brasileiro se comporta em relação a questões tão incomuns quanto uma pandemia.
Em regra, não cumprida a obrigação, o devedor responde por perdas e danos, juros, correção monetária etc. (Código Civil, art. 389). Esse é um direito básico de todo o credor. Mas para que o direito de requerer o cumprimento da obrigação possa ser exercido pelo credor, é necessário que haja mora, ou seja, descumprimento da obrigação por ato ou fato imputável ao devedor, caso contrário, não há mora e, assim, descumprimento da obrigação (Código Civil, art. 396).
Como o novo coronavírus tem levado as pessoas ao isolamento social para conter a disseminação da doença, é comum que pessoas trabalhem via home office (quando isso é possível) ou não trabalhem (quando o labor remoto for impossível), que determinados estabelecimentos sejam fechados temporariamente etc., o que ocorre de forma imprevisível e até inevitável ante a impossibilidade de controle da disseminação (até o momento).
A redução do trabalho e das relações humanas obviamente culmina na redução na produção de bens, serviços e outras coisas passíveis de valoração econômica em escala global, na medida em que vários países do mundo adotam severas restrições.
Assim, podemos classificar a pandemia do novo coronavírus como um caso fortuito, caracterizado como fato de consequências imprevisíveis, ou força maior, caracterizado como fato necessário de ocorrência inevitável .
Contratos que envolvam obrigações a serem cumpridas a prazo ou em determinada quantidade sofrem algumas intercorrências em razão da pandemia, eis que o isolamento social que afeta a produção (i) reduz a quantidade de
mercadorias disponíveis , (ii) reduz a força de trabalho necessária desde a produção até a comercialização final e (iii) dispara os preços de produtos por causa da crescente oferta.
Em um primeiro momento, essas questões poderiam implicar em descumprimentos contratuais e, via de consequência, aplicações de multas contratuais (Código Civil, art. 411) e ocasionar, em último caso, a rescisão dos contratos (Código Civil, art. 475).
No entanto, pela natureza de inevitabilidade ou, ao menos, imprevisibilidade sobre a ocorrência da pandemia a de sua propagação, é possível mitigar essas consequências nas relações contratuais, inclusive por institutos já previstos na legislação.
Ainda no âmbito geral da matéria dos contratos, é possível ao devedor elidir os efeitos dos descumprimentos das obrigações pela ocorrência de casos fortuitos ou força maior, desde que não tenha se responsabilizado expressamente nesses casos (Código Civil, art. 393).
É possível que os contratos sejam resolvidos em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, quando tais acontecimentos tornarem a obrigação excessivamente onerosa para uma das partes e com extrema vantagem para a outra (Código Civil, art. 478).
É possível, ainda, a repactuação contratual para evitar a resolução, por meio da adequação da quantidade da prestação ou do modo de sua execução às particularidades do caso concreto (Código Civil, arts. 479 e 480).
Em última análise, é possível também que se suspenda a execução das obrigações em razão da ocorrência do caso fortuito ou de força maior, tal como a propagação do novo coronavírus (Código Civil, art. 625, I).
A regra de ouro para alcançar a melhor solução no caso de dúvidas ou divergências de entendimentos é a investigação sobre a ocorrência de culpa dos contratantes no descumprimento das obrigações, entendida para esse fim como a voluntariedade no inadimplemento, ou sobre a ocorrência de legítima impossibilidade no cumprimento em razão das consequências da disseminação da pandemia.
De uma forma ou de outra, considerando que a intenção do legislador é de que os contratos sejam preservados ao máximo possível, é recomendável que as partes reflitam sobre as medidas alternativas à rescisão contratual e, assim, busquem a adequação de seus interesses às novas dinâmicas sociais ocasionadas pelo COVID-19.